segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Identificados os restos do bispo medieval que criou o Caminho de Santiago

Santiago o maior, retablo no Alcácer de Segóvia, Espanha
Santiago o maior, retábulo no Alcácer de Segóvia, Espanha
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




Após a descida do Espírito Santo sobre a Igreja nascente, comemorado na festa de Pentecostes, na data aproximada de 33 d. C., os Apóstolos se dispersaram pelo mundo conhecido para pregar o Evangelho.

De início obtiveram muitas conversões em Israel, fato que desatou a cólera do mesmo Sinédrio que instigou a Crucificaxão.

Alguns Apóstolos chegaram a ser presos. Viram então que não poderiam ficar muito tempo livres na Terra Santa e combinaram que São João levaria Nossa Senhora a Éfeso, cidade então do império romano e onde o Sinédrio não tinha poder.

Os demais partiram em todas as direções.

São Pedro acabaria instalado sua Sede em Roma e São Tiago, cruzando o mar Mediterrâneo desembarcou na Hispania (atuais Espanha e Portugal).

Sua pregação teria começado na Gallaecia, atual Galícia espanhola e norte de Portugal, mas percorreu a península ibérica toda fazendo discípulos.

Sete deles quais foram sagrados bispos por São Pedro, após o martírio de São Tiago.

A pregação do Apóstolo não foi nada fácil.

A região estava povoada de pagãos, e muitos o recebiam como um inimigo de seus falsos deuses.

Em Caesaraugusta, atual Zaragoça, onde ganhou conversões em grande número, lançaram víboras contra ele, mas o santo as segurava tranquilamente nas mãos.

Em Granada, foi preso com todos os discípulos e neófitos.

Nossa Senhora lhe teria feito saber misticamente de ir pregar à Galícia.


Aparição de Nossa Senhora do Pilar


De retorno em Zaragoça para atender a pequena, mas crescente comunidade cristã, o Apóstolo rezava pensando em Maria Santíssima quando viu descer um resplendor.

Apareceram anjos carregando uma coluna de luz alta e delgada que terminava num lírio aberto e lançava línguas de fogo em várias direções.

Uma delas ia até Compostela. O fato teria acontecido por volta do 2 de janeiro do ano 40 d.C.

No resplendor do lírio o Apóstolo viu Maria Santíssima, de nívea brancura e transparência, que estava de pé como costumava rezar, com as mãos juntas e um grande véu na cabeça, que lhe caía até os pés.

Segundo outras versões Nossa Senhora se apareceu “em carne mortal”.

São Tiago recebeu interiormente o aviso de erguer ali uma igreja que a intercessão de Maria faria crescer.

Nossa Senhora dol Pilar aparece ao Apóstolo Santiago e anuncia sua próxima Assunção, igreja de Santiago, Madrid
Nossa Senhora do Pilar aparece ao Apóstolo Santiago
e anuncia sua próxima Assunção, igreja de Santiago, Madrid
Essa seria a origem da magnífica basílica atual de Nossa Senhora do Pilar, padroeira da Espanha.

Disse-lhe a Virgem que, uma vez concluída a igreja, voltasse para Jerusalém. Ele partiu para encontra-la em Éfeso.

Maria lhe anunciou sua morte próxima que aconteceria em Jerusalém na presença de todos os Apóstolos miraculosamente convocados.

Após a Assunção, São Tiago foi preso e decapitado no monte Calvário.

Seus discípulos São Atanasio e São Teodoro levaram o corpo de volta para a Espanha pelo mar.

O navio foi conduzido providencialmente até as praias da Galícia, onde teria sido enterrado precisamente no local identificado como Iria Flavia, e que acabou sendo identificado no século IX.

A descoberta teve muito de maravilhoso. Por volta do ano 813 (ou 820 segundo outros) reinando em Astúrias, Afonso II el Casto.

Nessa época um ermitão de nome Paio (Pelayo) declarou ao bispo diocesano de Iria Flavia, Mons. Teodomiro, que vira luzes brilhando sobre um morro desabitado.

Feitas as averiguações, no local foi encontrado um túmulo, de época romana, que guardava os restos de um corpo decapitado e cuja cabeça estava sob um dos braços.

Os restos eram de três pessoas distintas: dois de idade mediana e uma na fase final da vida.

Assim se supôs piedosamente que pertenciam ao que narrava a tradição: São Tiago e seus discípulos Atanasio e Teodoro

Um rei é o primeiro peregrino a Compostela


A notícia chegou ao rei Afonso II da região vizinha das Astúrias, que marchou com a sua corte de Oviedo para Compostela.

Essa peregrinação real de 146 quilômetros foi a primeira, pelo que hoje é conhecido como o “Caminho Primitivo”, o caminho mais antigo usado pelos peregrinos do Caminho de Santiago.

Busto relicário de Santiago Apóstolo, na basílica de Compostela
Busto relicário de Santiago Apóstolo, na basílica de Compostela
E a igreja que o rei mandou construir acima do túmulo deu origem à atual Catedral de Santiago de Compostela.

O nome de Compostela provém do latim campus stellae ou “campo das estrelas”, em atenção às luzes que apareceram no morro em que estava o túmulo.

A glória do Apóstolo, de cujo sacrifício nasceu a nação ardente de zelo como um lírio pegando fogo em que ele viu a Nossa Senhora desde então se manifesta atraindo multidões de peregrinos que ainda hoje fazem o “Caminho de Santiago” completando até mil ou dois mil quilômetros a pé.

Comprovação científica das relíquias


Na medida em que o desenvolvimento do processo histórico revolucionário progredia, ele foi pondo em tela de juízo todas as histórias maravilhosas da Igreja.

No século XIX já andava debandada a suspeita estapafúrdia segundo a qual os santuários são fruto de mentiras do clero para atrair doações de fiéis ignaros, logrados inescrupulosamente.

Compostela seria um desses locais de furto sistemático com fachada religiosa.

No século XIX o papa Leão XIII pediu aos bispos da Espanha todos os documentos que pudessem encontrar a respeito.

Ele recebeu muitos documentos com relatos do acontecido, mas nenhum com as características científicas que requeria uma comissão extraordinária para o estudos dos restos.

Então, enviou a Compostela a Monsenhor Agostino Caprara, promotor da Congregação da Fe no processo, para que examinara os restos no local e colhesse declarações dos responsáveis.

Antes de ir a Compostela, Mons. Caprara, mandou ao Doutor Chiapelli analisar um resto ósseo venerado como relíquia do Apóstolo na cidade de Pistóia, na Itália.

O cientista afirmou se tratar de parte a apófises mastoidea direita com restos de sangue coagulado e que a peça teria sido separada do crânio em consequência da violência da decapitação.

O historiador Patxi Pérez-Ramallo na necrópolis descoberta na basílica de Compostela
O historiador Patxi Pérez-Ramallo na necrópolis descoberta na basílica de Compostela
A comissão chegou em Santiago de Compostela no dia 8 de junho de 1884 durante os exames constatou que um dos três crâneos precisamente carecia da apófises mastoidea direita.

A coincidência foi reveladora e o ditame foi positivo.

Em 25 de julho do mesmo ano, na festividade do Apóstolo Santiago, foi publicado o documento comprobatório da Congregação.

E em 1º de novembro do mesmo ano S.S. o Papa Leão XIII publicou a Bula Deus Omnipotens, sobre a história do Santuário e convocava a empreender novas peregrinações.

Placas identificadoras


Mas, as investigações não ficaram por ali. Foi a hora dos arqueólogos analisando todos os vestígios que puderam se encontrar

O professor Enrique Alarcón, que ensina Filosofia na Universidade de Navarra, publicou em 24 de junho de 2011 um estudo das inscrições encontradas no local.

O estudo foi ampliado e reeditado em 2013 com a colaboração de Piotr Roszak.

A análise do catedrático aponta a existência de um culto funerário ao Apóstolo, pelo menos desde o século II, na cripta da dama romana crista Atia Modesta.

Ele identificou a inscrição Ya'akov (Santiago, em hebreu), acompanhada da simbologia própria da estética sepulcral judeu-cristã do século I, análogas às achadas em outros ossários de Dominus Flevit.

Numa dela há referências à festa judia de Shavu'ot que incluem a representação de pães rituais que deixaram de ser usados por volta do ano 70 d.C. motivados pela destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos.

Ditas inscrições permitem precisar cronologicamente a antiguidade do túmulo, apontando ser verdadeiro o que sempre foi acreditado: esse é o túmulo do Apóstolo São Tiago.

Descobertos os restos mortais do bispo Teodomiro


Ossatura na basílica de Compostela que os arqueólogos dizem ser do bispo Teodomiro
Ossatura na basílica de Compostela que os arqueólogos dizem ser do bispo Teodomiro
Como que fechando o conjunto de confirmações científicas, recentemente foram identificados os restos mortais do bispo Teodomiro.

Ele foi o principal responsável pela criação da peregrinação – que já tem mais de doze séculos – do Caminho de Santiago, segundo informou o quotidiano de Madrid “El País”.

O quotidiano espanhol informou baseado em artigo científico, publicado na revista especializada britânica “Antiquity”, da autoria do arqueólogo Patxi Pérez-Ramallo, da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia.

Pérez-Ramallo aplicou diferentes métodos – análise óssea, datação por carbono, análise de isótopos estáveis e testes de ADN – para chegar à conclusão.

Ele garantiu a “El País”. haver “98% de probabilidade de se tratar de Teodomiro”.

Durante séculos, foi muito contestada a existência de Teodomiro projetando uma sombra indireta de dúvida sobre a autenticidade dos relatos antigos relativos ao túmulo de São Tiago.

Em 1955 o arqueólogo espanhol Manuel Chamoso Lamas descobrira uma lápide por baixo da catedral de Santiago de Compostela com o nome de Teodomiro inscrito.

A datação por carbono-14 revelou que essas ossadas correspondiam a uma pessoa cujo estilo de vida correspondia à do alto clero da época, acrescentou “Sapo”.

Túmulo de Teodomiro na Catedral de Santiago de Compostela
Túmulo de Teodomiro na Catedral de Santiago de Compostela
O quotidiano londinense “The Guardian” recolheu as mesmas informações acrescentando que a equipe dos pesquisadores liderada pelo arqueólogo Patxi Pérez-Ramallo, escrevem em “Antiquity” que: 

“A aplicação de uma combinação de técnicas bioarqueológicas está ajudando a desvendar muitas das questões (...) esses dados apoiam a possibilidade de que os restos mortais humanos encontrados em associação com a lápide inscrita sob o piso da Catedral de Santiago de Compostela em 1955 sejam os do Bispo Teodomiro”.

A análise da equipe descobriu que os restos mortais pertenciam a um homem magro e idoso que provavelmente cresceu na área ao redor de Santiago de Compostela e cuja dieta, baixa em proteínas animais, era consistente com as regras monásticas que limitavam o consumo de carne.

Os pesquisadores concluem em “Antiquity”que “esta informação contribuirá diretamente para a conservação dos restos mortais e promoverá um local especial de culto na Catedral de Santiago, enriquecendo as visitas ao templo e à cidade, pois Teodomiro representa uma figura significativa não apenas para a história de Santiago de Compostela, Galícia, mas também para a Espanha, Europa e Catolicismo”.

 

O artigo de “Antiquity”completo em .PDF em https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/3D7EA1E8EEE9E2B0F9832547FCF1B545/S0003598X24000917a.pdf


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