Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Dados arqueológicos, testemunhos da tradição e documentos históricos nos falam do precioso cálice que Nosso Senhor, na Última Ceia.
Aquele que, na vigília da sua Paixão, tomou com suas santas e veneráveis mãos, e, dando graças, abençoou-o e deu-o aos seus discípulos dizendo: “Tomai e bebei todos vós, porque este é o cálice do meu Sangue. Sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos os homens para remissão dos pecados. Faça isso em memória de mim”, instituindo a Santa Missa. (Oração Eucarística I, Cânone Romano. Cf. Mateus 26-29; Marcos 14, 22-25, Lucas 22, 1520 e I Coríntios 11, 23-25)
Onde está esse cálice? Chegou até nossos dias?
De fato, ele existe e está conservado na catedral de Valência, na Espanha.
Mas, como chegou até lá e quais provas autentificam que esse é o cálice da Última Ceia?
Como pode aquele cálice de aparência medieval ser o cálice da Última Ceia? Por que em Valência? Por que não é tão famoso quanto o Sudário de Turim ou o Manto de Treveris (ou Trier, Alemanha)?
Sua forma é perfeita, mas é estranha para os critérios modernos com seus esplêndidos detalhes de ouro, pérolas e pedras preciosas.
O peregrino ou o visitante fica logo cativado pela beleza do Santo Cálice exposto na catedral, mas isso não é suficiente para provar que seja o usado por Nosso Senhor.
Acresce que há séculos corre uma saga imaginosa – a do Santo Graal – que vem retomada em lendas, filmes, romances e literatura pseudocientífica embaralhando sua reputação de autenticidade.
Por isso é o caso de deixar de lado fantasias ou relatos novelescos, para alguns atraentes, mas despojados de veracidade, e pôr a lupa nas informações reunidas na catedral da cidade espanhola
Porque a Catedral de Valência acumulou documentação ao longo dos séculos para responder a todas as perguntas.
Em 1952, por ocasião do XXXV Congresso Eucarístico Internacional, que se realizou em Barcelona, veio a lume o livro de Mons. Juan Angel Oñate, “El Santo Grial”, o qual, com farta bibliografia, relaciona os mais antigos documentos, que qualificam a citada relíquia como sendo aquela utilizada na primeira Missa. (Cfr. Con. Juan Angel Oñate Ojeda, “El Santo Grial”, Valência, lmprenta Nacher, 1972. Também Con. Elias Olmos Canalda, “Santo Caliz de la Cena”, Valência, Edição do Autor, 8ª. edição, 1959).
Etimologicamente a palavra Graal, ou Grial, origina-se do hebraico Goral, espécie de pedra que designa também cálice.
O Santo Cálice, que é a relíquia propriamente dita, é, na verdade, a parte superior da foto que apresentamos. Se trata de uma taça de ágata finamente polida, mostrando faixas de cores quentes quando refrata a luz.
É uma preciosa “taça alexandrina” que os arqueólogos consideram de origem oriental e feita nos anos 100 a 50 a.C.
Esta foi a conclusão do estudo realizado pelo professor D. Antonio Beltrán e publicado em 1960 (“O Santo Cálice da Catedral de Valência”), nunca refutado, e que está na base do crescente respeito e conhecimento da santa relíquia ali venerada.
As asas e o pé de ouro finamente gravado foram acrescentados no período medieval, portanto muito mais tarde, como também as joias que adornam a base.
A base é composta por um vaso invertido em alabastro de origem medieval. As dimensões são harmônicas e, portanto, modestas: 17 cm. De altura, 9 cm de largura do copo e 14,5 x 9,7 cm. da base elíptica.
Em Veneza e outros lugares se preservam cálices semelhantes feitos com pedras semipreciosas de origem bizantina e na Espanha há exemplos dos séculos XI e XII.
Mas são vasos litúrgicos, encastoados em ouro e prata cujo interior está revestido de metal precioso.
No caso do Santo Cálice de Valência, os ourives que o compuseram decidiram não tocar na taça que esteve em contato com as divinas mãos do Redentor.
A taça ficou desprovida de decorações, com grandes alças externas para transportá-la sem tocar na preciosa e delicada peça de ágata translúcida.
Esse dado joga em favor da excepcionalidade da peça.
A tradição nos diz que esse foi o cálice que o Senhor usou na Última Ceia para a instituição da Eucaristia, e que depois foi levado a Roma por São Pedro e guardado pelos Papas sucessores.
Um deles, São Sisto II, a pedido das súplicas de seu diácono São Lorenzo, natural da Espanha, aprovou que fosse enviado à Huesca no século III para protegê-la da perseguição do imperador Valeriano.
Tendo em vista a ameaça dessas perseguições, cada vez mais violentas, segundo uma antiga tradição, Lourenço encaminhou o Santo Cálice para sua terra natal, a cidade de Huesca.
Santo Cálice de Valência em seu altar |
No ano 712, diante da invasão muçulmana, os moradores de Huesca, tendo à frente o Bispo Acisclo, abandonaram sua cidade, levando consigo o Cálice Sagrado, buscando refúgio em Cueva de Yebra, região situada junto aos Pirineus.
A partir do ano 713, o Santo Cálice esteve escondido na região dos Pirineus, passando por Yebra, Siresa, Santa Maria de Sasabe (hoje São Adrío), Bailio e, finalmente, no mosteiro de San Juan de la Peña (Huesca), onde um documento do ano 1071 menciona o cálice feito de pedra preciosa.
Em 1071, a Santa Sé empenhou-se em substituir a liturgia mozárabe, que então era adotada em algumas regiões da península ibérica, misturando elementos árabes.
O Cardeal Hugo Cândido esteve no Mosteiro de San Juan de Peria, iniciando ali sua missão como Legado do Papa Alexandre II.
Para solenizar, como era devido, o significativo acontecimento, o Purpurado utilizou o venerando Cálice — que era guardado naquela casa religiosa — na Missa solene que celebrou.
A relíquia foi entregue em 1399 ao rei de Aragão, Martin o Velho, que a guardou no palácio real de La Aljafería em Zaragoza e depois, até à sua morte, no Palácio Real de Barcelona em 1410.
O Santo Cálice está mencionado no inventário de seus bens (Manuscrito 136 de Martinho, o Humano. Arquivo da Coroa de Aragão. Barcelona, onde a história do vaso sagrado é descrita)
Por volta de 1424, o segundo sucessor de Dom Martin, o rei Alfonso V o Magnânimo, levou o relicário real a seu Palácio de Valência.
Tendo viajado a Nápoles, o Rei quis que fosse entregue com as demais relíquias reais à custodia da Catedral de Valência no ano de 1437 (Volume 3.532, fol. 36 v. Arquivo da Catedral).
Desde então foi conservada e venerada durante séculos entre as relíquias da Catedral.
No século XVIII até foi utilizada para conter as formas consagradas no “Monumento” da Quinta-feira Santa.
Durante a Guerra da Independência para se livrar da opressão napoleônica, entre 1809 e 1813, foi sendo transferido por Alicante e Ibiza até Palma de Mallorca, para fugir da rapina dos invasores revolucionários.
Em 1916 foi finalmente instalada na antiga Casa do Capítulo, consagrada como Capela do Santo Cálice.
Esta exposição pública permanente da relíquia sagrada permitiu divulgar o seu conhecimento, que era muito limitado enquanto permanecia resguardada no relicário da catedral.
21 de julho de 1936. Os sinos da histórica Catedral de Valência não repicam. Suas portas estão fechadas. Turbas de agitadores e incendiários socialistas e comunistas percorriam as ruas roubando, matando e incendiando.
Ninguém alimentava dúvidas quanto às suas intenções: o templo religioso, como aconteceu com tantos outros, seria invadido, saqueado e talvez incendiado pelos vermelhos.
Mons. Elias Canalda retirou o Cálice, e entregou-o a uma jovem. Esta, correndo o risco de ser presa e trucidada, levou-o, devidamente dissimulado, para sua residência.
A preciosa relíquia foi depositada num compartimento de guardar panelas, na cozinha da casa, local onde ficou escondida por algum tempo. E ficou escondido na cidade de Carlet para não ser atingido pelos comunistas.
Em 1943, restaurada a Capela do Santo Cálice, na Catedral de Valência, este foi exposto definitivamente à veneração pública, onde se encontra até hoje.
João XXIII concedeu a indulgência plenária em sua festa anual;
João Paulo II celebrou a Eucaristia com o Santo Cálice durante sua visita a Valência em 8 de novembro de 1982;
Bento XVI também quis celebrar com ele a Eucaristia por ocasião do V Encontro Mundial das Famílias, em 8 de julho de 2006.
Um costume israelita nos dá um fato positivo importante proveniente de fonte não-católica.
Ainda hoje toda família judia preserva com carinho o “copo da bênção” para os jantares da Páscoa e do sábado.
E os Evangelhos nos transmitem que Jesus celebrou o rito pascal numa sala decente, mobiliada com divãs (Mc 14, 15), bênçãos rituais, a última das quais se tornou a primeira consagração eucarística do vinho no Sangue do Redentor.
Os Apóstolos e os primeiros cristãos puderam identificar o vaso da primeira Eucaristia e conservá-lo apesar de sua fragilidade em virtude do milenar costume judaico que vinha desde o Êxodo do Egito.
Pesquisadores recentes, como Michael Hesemann (“Die Entdeckung des Heiligen Grals. Das Ende einer Suche”, Ed. Pattloch 2003), situam a origem das lendas mitológicas do Graal na Espanha com base no Cálice de ágata de San Juan de la Peña, reforçando que os mistificadores sentiram necessidade de se referir ao Santo Cálice de Valência para dar alguma credibilidade a seus romances fingidamente históricos e, no fundo, esotéricos.
A crítica liberal e o materialismo anti-religioso não conseguiram destruir a fé pura da Igreja em Jesus Cristo, o Senhor.
Então espalham suspeitas e falsidades para ver se conseguem manchar a sublime relíquia.
O Cálice, com sua autenticidade arqueológica demonstrada e sua tradição livre de elementos deformantes, nos remete ao tempo de Jesus e nos lembra a instituição da Eucaristia.
A relíquia sagrada é transferida da sua preciosa capela, a antiga casa capitular (século XIV), para o altar-mor na celebração da Santa Missa na Ceia do Senhor, na Quinta-feira Santa e na festa solene da última quinta-feira do mês de outubro.
A Real Irmandade e a Irmandade do Santo Cálice, juntamente com o Conselho Metropolitano, mantêm o culto e a divulgação da devoção ao Santo Cálice que se expressa também nas procissões das paróquias e entidades religiosas e cívicas, todas as semanas, na celebração das “Quintas-feiras do Santo Cálice”.
Os objetos mais proximamente relacionados com a Redenção, como por exemplo o Santo Lenho, o Santo Sudário e o Sagrado Cálice, são testemunhos palpáveis do sofrimento que o Salvador padeceu pelos homens e do incomensurável amor que lhes votou.
Bibliografia
Beltrán, A.,
Estudio sobre el Santo Cáliz de la Catedral de Valencia,
Valencia 1969; 2ª Ed. revisada, Valencia 1984.Bennet, Janice,
St. Laurence and the Holy Grail: The Story of the Holy Chalice of Valencia,
Denver (Colorado) 2000.Hesemann, M.,
Die Entdeckung des Heiligen Grals.
Das Ende einer Suche, München 2003.Mira, E.,
“El Santo Grial de Valencia”, en Macconi, M. y Montesno, M. (Ed.),
Il Santo Graal, un mito senza tempo, dal Medioevo al cinema. Atti del Convengno Internazionale di Studi su
“La reliquie tra storia e mito: il Sacro Catino di Genova e il Santo Graal, Genova 2002.Sánchez Navarrete, M.,
El Santo Cáliz de la Cena, (Santo Grial) venerado en la Catedral de Valencia,
Valencia 1994. Contiene una completa bibliografía.Olmos Canalda, E.,
Cómo fue salvado el Santo Cáliz de la Cena. Rutas del Santo Grial desde Jerusalén hasta Valencia.
6ª Ed. Valencia 1949.Oñate Ojeda, J. A.,
El Santo Grial. El Santo Cáliz de la cena, venerado en la Sta. Iglesia Catedral Basílica Metropolitana de Valencia.
Su historia, su culto, sus destinos, 3ª Ed., Valencia 1990.Sancho Andreu, J. (Ed.),
El Santo Cáliz. Historia, leyenda y culto.
Generalitat Valenciana, Valencia 2006.Sancho Andreu, J.,
Il Santo Calice riafferma la verità dell’Eucaristia.
L’Osservatore Romano, 5 de julio de 2006.
|
Eu não sabia que esse cálice ainda existia.
ResponderExcluir